Álbum Ivone Rara, de João Cavalcanti, homenageia a Dama do Samba

 

Neste ano em que Dona Ivone Lara faria cem anos, o jovem artista compositor, João Cavalcanti canta o canto dela de se admirar, no álbum “Ivone Rara – 100 Anos da Dona do Samba, que acaba de ser lançado, com 22 músicas do cancioneiro da artista centenária, organizadas em 15 faixas, a mais acertada homenagem a Dona Ivone Clássicos como “Sonho Meu”, “Acreditar” e “Nasci Pra Sonhar e Cantar” estão no repertório, junto de outras maravilhas. Já está nas plataformas.

O disco é, na verdade, uma reverência de Cavalcanti a um dos mais importantes nomes da nossa Música Popular Brasileira, Dona Ivone Lara, que nos deixou em 2018. Projeto contemplado no edital ProAC Direto Expresso 2021, do governo de São Paulo. O disco foi gravado em março de 2022 no estúdio Gargolândia, no interior de São Paulo.

A valorosa melódica criada pela sambista Ivone Lara, seguida por João Cavalcanti, ganha o mundo em sons sofisticados camerísticos com a escalação das instrumentistas Adriana Holtz (violoncelo), Claudia Elizeu (piano) e Wanessa Dourado (violino), com arranjos de Marcelo Caldi, que chega junto e complementa a sonoridade com sua sanfona. João Cavalcanti é um artista brasileiro.

Em conversa com o MaisPB, o artista comenta sobre o nascimento desse trabalho, como um filho sonoro, uma raridade de Dona Ivone se fazer chegar na voz de João Cavalcanti.

MaisPB – Até agora essa é a maior homenagem feita à memória de Dona Ivone Lara. Concorda?

João Cavalcanti – Eu não posso concordar, pois seria uma presunção da minha parte. É uma homenagem, o pouco que pude contribuir. Dona Ivone está no panteão dos maiores artistas brasileiros, que já pisaram nesta terra, com toda capacidade de informação que ela trouxe – tudo que ela mudou e modificou – nada ficou em pé do jeito que era, depois que ela passou: o samba se transformou a partir dela. A noção de saúde psicossocial aliada à arte. Ela não foi uma mera assistente, ela foi fundamental em tudo que fez.

MaisPB – O disco traz muitas canções, contando os sambas que se comunicam entre si?

João Cavalcanti – Sim, são canções belas. 22 no total.

MaisPB – Como você conseguiu gravar esse disco, é muita coragem…

João Cavalcanti – Eu tenho recebido mensagens emocionantes, de carinho, de pessoas que estão se conectando muito com o disco. Na verdade, o caminho da sensibilidade dificilmente se desvia da virtude. Todas as escolhas que eu fiz estão na sensibilidade, tanto no repertório, no encadeamento das músicas, na instrumentação, na escolha das pessoas para fazer esse projeto comigo – até a escolha de omitir pedaços de letras, nada disso veio por acaso.

MaisPB – Mas ficou muito bonito uma música casando com outra?

João Cavalcanti – Isso. Na verdade, em vez de dizer “alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”, aí eu canto “Menino Brasileiro”, que conta essa história da outra canção. É como se o menino estivesse falando com Dona Ivone…

MaisPB – Esse trabalho lhe traz muita responsabilidade e prazer, não é?

João Cavalcanti -Tem uma coisa que é fundamental a sublinhar: toda minha motivação, a mola propulsora do meu fazer artístico, eu faço disco, turnê, tudo que faço, na verdade é com gosto, com prazer – passar o som, ensaiar, tudo na vida eu faço porque sou compositor. O que me leva adiante, o que me faz sonhar com música e pensar minha relação com a música, é o fato de eu ser compositor.

MaisPB – Desta vez ouvimos o João Cavalcanti intérprete…

João Cavalcanti – Ser posto de lado, silenciar um pouquinho, para fazer um disco de intérprete, tem duas coisas que faz com que isso se justifique: a primeira é um disco em homenagem a Dona Ivone, que é dos poucos conjuntos de obra e repertório que me justificaria isso, toda dedicação a outra compositora. Dona Ivone é das poucas que faria e fez me ficar à vontade para realizar esse projeto.

MaisPB – E a segunda coisa?

João Cavalcanti – É me sentir com liberdade, como dono da minha carreira e da minha vida, da minha percepção sobre a música, o meu discurso, a partir dessas canções.

MaisPB – A canção “ O Trovador”, terceira faixa, tem um cunho político?

João Cavalcanti – Tem sim. Nessa canção ela diz: “Me deixa cantar para não me afogar nessa agonia, o que me aperta o coração, eu sou trovador
eu sou a canção que vem das ruas, que atinge a todos, do mendigo ao imperador”. Isso já diz o pensamento ideológico da autora,

MaisPB – Essas canções, com os clássicos, tem algumas que foram gravadas poucas vezes, né?

João Cavalcanti – Sim, algumas foram gravadas poucas vezes. Não são todas. “Alvorecer” tem uma gravação fundamental da Clara Nunes, já “Quem disse que eu te esqueço”, tem muitas gravações, é muito cantada nas rodas de samba do Rio. “Alguém me avisou”, “Sonho meu”, “Acreditar”, “Tendência” e “Enredo do meu samba”, está, eu ouvi pela primeira vez na voz de Sandra de Sá. Até a canção “Doce Recordações” é muito executada nas rodas de samba.

MaisPB – E o processo de escolha do repertório?

João Cavalcanti – O pré repertório, tinha 50 músicas, aí a gente foi cruzando os dois critérios: as melodias que me arrebatam e o critério dos textos que me ajudaram a compor esse novo discurso, que eu proponho no disco. Chegamos a esse resultado. Fui fazendo essa montagem. O Marcelinho (Caldi) me ajudou muito na hora de conceder os arranjos para sublimar essas ideias todas. Tivemos um cuidado muito carinhoso com a obra, e fizemos uma coisa pulsante.

MaisPB – Os músicos arrebentam nesse disco?

João Cavalcanti – Ah, sim. Marcelo (Caldi) toca sanfona em todas as faixas. A gente não teve muito tempo para ensaiar, entramos no estúdio, os arranjos estavam todos prontos, escritos pelo Marcelo e as duas meninas Adriana (Holtz) e Wanessa Dourado, que propuseram coisas fundamentais. E outra, a gente nunca tinha tocado junto, nessa formação. Gravamos no Estúdio Gargolândia, que é uma hospedaria, numa fazenda incrível em São Paulo. Gravamos em três dias. Só as palmas gravamos depois.

MaisPB – Vai sair físico?

João Cavalcanti – Vai ter CD. Eu quero fazer o vinil também. O projeto é importante, do ProAC, do governo de São Paulo. E, na contrapartida, está o projeto do disco físico. Tudo foi fundamental.

MaisPB – Tem uma canção que tem a participação de um coro?

João Cavalcanti – Duas canções, é o coro da banda mesmo, as meninas cantando.

MaisPB – Como é essa história de que aumentaram um ano na vida de Dona Ivone Lara?

João Cavalcanti – O que acontece é que até o lançamento do livro de Lucas Nobile, o biógrafo dela, o que se sabia, oficialmente, que Dona Ivone teria nascido em 2021, mas adulteraram o documento para ela entrar na escola. Como ela era muito precoce, muito inteligente, muito fora da curva, teve que ser assim. Tem um colégio tradicional aqui na Tijuca, o Oficina Fonseca que para entrar, o aluno teria que ter onze anos, e ela tinha dez. Fizeram a alteração, para que ela entrasse logo no colégio e isso ficou perpetuado. O centenário dela é este ano de 2022.

MaisPB – Você esteve com ela?

João Cavalcanti – Eu convivi com Dona Ivone, estive no palco com ela algumas vezes, fui a muitos shows dela, entrava sempre em backstage, em compilações de gravações. No Prêmio da Música Brasileira, que foi em homenagem a ela, o Casuarina, banda que eu fazia parte, cantamos juntos com Delcio Carvalho, parceiro histórico dela. Fui amigo do Delcio , frequentei muito a casa dele. Para mim, essa obra, por mais que tenha algumas canções que eu não tenha cantando, só a partir do disco, é uma obra que sempre estive muito próxima.

MaisPB – Bem que Dona Ivone Lara merecia uma estátua no Rio de Janeiro…

João Cavalcanti – Sim, merecia, ela tem um papel fundamental em muitas transformações, como mulher, compositora dentro do universo do samba, que é um universo sabidamente machista e tudo isso faz da figura de Dona Ivone, uma transcendência. Ela é uma figura enorme.

MaisPB – Quando você canta, o canto da sereia, é muito tocante?

João Cavalcanti – Sim, quando eu canto “O canto da sereia meu Deus, domina”, essa sereia é ela, dona Ivone. Eu estou cantando, pensando nela.

MaisPB – Mostrou esse disco ao seu pai, Lenine?

João Cavalcanti -Mostrei, ele postou no Instagram dele, emocionado, muito feliz.

MaisPB – Você vai cantar esse disco em shows, por aí?

João Cavalcanti – Vou sim. Claro, a ideia é essa. Eu ainda estou no processo da turnê “Deserngaiola”, já nos apresentamos em Natal, no Rio Grande do Norte, que é com outros três artistas, Moyseis Marques, Pedro Miranda e Alfredo Del-Penho. Mas eu quero começar a cantar o show de Dona Ivone, provavelmente em novembro, no Rio e em São Paulo. Depois no Nordeste.

Escuta aqui o disco de João Cavalcanti

ÁLBUM “Ivone Rara – 100 Anos da Dona do Samba”, de João Cavalcanti

Faixas –

1. Alguém Me Avisou ( Dona Ivone Lara) / Menino Brasileiro (Dona Ivone Lara / Rildo Hora)

2. Canto do Meu Viver (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho) / Sereia Guiomar (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

3. O Trovador (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

4. Nasci Pra Sonhar e Cantar (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

5. Nos Combates Dessa Vida (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

6. Sem Cavaco Não (Dona Ivone Lara / Mano Décio da Viola) / Enredo do Meu Samba (Dona Ivone Lara / Jorge Aragão)

7. Doces Recordações (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

8. Tendência (Dona Ivone Lara / Jorge Aragão)

9. Coração, Por Que Choras? (Dona Ivone Lara) / Liberdade (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho) / Minha Verdade (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

10. Resignação (Dona Ivone Lara / Hélio dos Santos)

11. Dizer Não Pro Adeus (Dona Ivone Lara / Luiz Carlos da Vila / Bruno Castro) / Adeus à Solidão (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

12. Alvorecer (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

13. Samba de Roda Pra Salvador (Dona Ivone Lara) / Acreditar (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

14. Sonho Meu (Dona Ivone Lara / Delcio Carvalho)

15. Mas Quem Disse Que Eu te Esqueço (Dona Ivone Lara / Hermínio Bello de Carvalho)

FICHA TÉCNICA

João Cavalcanti: voz

Adriana Holtz: violoncelo

Claudia Elizeu: piano

Marcelo Caldi: sanfona

Wanessa Dourado: violino e rabeca

Direção Artística e Produção Musical: João Cavalcanti

Direção Musical e Arranjos: Marcelo Caldi

Direção de Produção e Gerência de Projeto: Renata Grecco

Produção Executiva: Guete Oliveira

Gravado em março de 2022 por Diogo Guedes e Thiago Baggio no Estúdio Gargolândia (Alambari / SP)

Edição de Áudio: Bruno Giorgi

Mixagem: Ricardo Mosca

Masterização: Carlos Freitas

Arte Gráfica e Digital: Anna Turra

Fotos: Leo Aversa

Assessoria de Imprensa e Mídias Digitais: Miriam Roia e Vivien Drumond (Somar Comunicação Integrada)

Licenciamento: Som Livre / MP,B Discos

Realização: Moleka Produções Artísticas


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