Aluna da USP que desviou dinheiro de formandos teria se consultado com videntes e mãe de santo, diz polícia

 

A estudante Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos, que desviou R$ 937 mil da formatura da turma, realizou consultas com videntes e uma mãe de santo, segundo informações da Polícia Civil. Os policiais investigam agora se as consultas foram pagas com o valor desviado da formatura da turma.

Na sexta-feira (27) foram cumpridos mandados de busca e apreensão no apartamento da estudante e aprenderam aparelhos eletrônicos, um carro alugado pela jovem e um caderno com anotações relativas ao crime que teriam sido feitas por ela.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que "foram apreendidos celulares, um veículo VW/Nivus, um tablete, cartões bancários, diversos documentos, além de anotações de consultas com videntes e mãe de santo. O material é analisado pela autoridade policial para esclarecer os fatos".

Questionada se a estudante pagou a cartomante com o valor desviado, a pasta informou as informações estão em apuração e os documentos serão analisados.

Caderno com anotações

Na sexta, a delegada Zuleika Gonzalez Araujo, titular do 16º Distrito Policial, confirmou que o caderno e os celulares foram encontrados pelos investigadores. Ela informou que as anotações seriam periciadas.

Nas folhas, a jovem escreveu sobre situações que seriam relacionadas a um suposto arrependimento e, também, à frustração ao não conseguir recuperar o dinheiro.

"Depois de perder tanto, só queria ganhar a qualquer custo para recuperar", diz um trecho.

Em outro ponto do texto ela fala em sobre estratégia:

"Sentimento de culpa só aumentando. Fui tão estratégica para chegar até esse dinheiro. Como não fui nada estratégica para usar sem me prejudicar ou prejudicar outros?", escreveu.

Alicia teria feito anotações sobre o caso em caderno — Foto: Reprodução

Anotações que teriam sido feitas por Alicia — Foto: Reprodução

Carro alugado

Na sexta-feira (27), a delegada ouviu a nova presidente da comissão de formatura. A testemunha afirmou que Alicia mudou as senhas de acesso ao e-mail da comissão.

A nova presidente relatou ainda que o grupo não teve mais acesso às informações e aos avisos da empresa organizadora do evento sobre as transações feitas por Alicia.
Ao todo, a investigação achou no apartamento de estudante 17 comprovantes referentes a quantias havia ganhado na loteria. No entanto, ela teria perdido mais dinheiro do que arrecadado. Os bancos em que a estudante tem conta têm 60 dias para encaminhar à polícia a quebra de sigilo autorizada pela Justiça.

O carro alugado pela estudante de medicina e que foi apreendido pela polícia tem registros de infrações de trânsito nos últimos 12 meses, quando o veículo estaria com ela.

Segundo apurado pelo g1, o Nivus, da Volkswagem, foi alugado por 18 meses ao valor mensal de R$ 2.190. Um iPhone teria sido alugado por R$ 3 mil. Tudo foi apreendido.

A GloboNews confirmou que o inquérito policial nesta sexta-feira (27) foi relatado ao Ministério Público, que vai analisar as informações colhidas pela polícia para “firmar a sua convicção a respeito dos fatos, o que poderá ensejar o oferecimento de denúncia” ou investigações complementares.

O g1 tentou contato com Alicia, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Festa mantida

A empresa ÁS Formaturas se reuniu com o Procon-SP na segunda-feira (23) e prometeu não repassar aos alunos o prejuízo de R$ 927 mil desviados por Alicia, que era presidente da comissão de formatura. A empresa também concordou em bancar com fornecedores a mesma estrutura da festa que havia sido contratada.

Guilherme Farid, chefe de gabinete do Procon-SP, disse em entrevista coletiva que o contrato entre as partes foi fechado em 2019. No entanto, a pessoa jurídica que formalizou a negociação, que seria uma associação dos formandos, nunca foi registrada.

“O contrato foi celebrado entre duas pessoas jurídicas. Mas os alunos teriam que ter criado uma associação, registrado no tabelião de notas e formado pessoa jurídica. Teria representatividade legal", disse.

Das mais de 100 pessoas interessadas no evento, quem deliberava sobre os valores era um grupo formado por cerca de 20 pessoas, e as comunicações eram feitas via WhatsApp.

Segundo ele, o negócio foi "mal elaborado" e fechado informalmente. A empresa tem 15 dias para entrar em contato de forma individual com os cerca de 130 alunos envolvidos e apresentar a proposta. A ÁS já havia feito a celebração da turma anterior, a 105ª.

No caso de os alunos aceitarem o plano, que deve se desenrolar em um ano até a realização, o Procon-SP irá acompanhar o caso. Se forem comprovados ao fim de todo o processo problemas relacionados com a empresa, uma multa de até R$ 12 milhões pode ser aplicada.

Vaquinha dos formandos

No domingo (22), os estudantes resolveram montar um meio para captar doações online. Segundo o anúncio feito por eles nas redes sociais, as primeiras pessoas a doarem quantias a partir de R$ 1.500 vão ter direito a um convite.

A publicação traz outros incentivos, como propostas de doações de até R$ 9 mil, a qual o doador teria direito a três ingressos e a uma mesa. Nos comentários, a página da comissão também pede ajuda a artistas.


Anteriormente, ao ser questionada sobre a situação de Alicia, a USP informou que "está acompanhando a apuração dos fatos".

A TV Globo perguntou se a universidade considera expulsar Alícia do curso após os ocorridos, se ela poderá colar grau normalmente e, também, qual o posicionamento da entidade sobre o caso, mas não recebeu respostas específicas.

"Diante do andamento da investigação sobre a fraude contra a Comissão de Formatura, que envolve uma aluna da Faculdade de Medicina da USP, a Instituição informa que está acompanhando a apuração dos fatos pelos órgãos competentes."

Interrogatório

Alicia foi ouvida pela polícia no dia 19 de janeiro, em São Paulo. Ela confirmou que desviou os valores que seriam usados para a festa de formatura por entender que os recursos não estavam sendo bem administrados pela empresa contratada, mas fez "aplicações ruins" e acabou perdendo dinheiro.

No "desespero", ela diz que tentou recuperar o montante fazendo apostas em uma lotérica. Ela também admitiu que usou em benefício próprio uma parte das quantias para pagar despesas pessoais, como aluguel de carro, apartamento e compra de eletrônicos. A estudante afirma ter agido sozinha, mas a namorada dela também será ouvida.

Segundo a Polícia Civil, Alicia vai ser indiciada por apropriação indébita, crime que tem previsão de pena de até quatro anos de reclusão, e vai responder em liberdade.

De acordo com o interrogatório, Alicia tem renda mensal de cerca de R$ 4.500. Ela assumiu à polícia que a história que contou aos colegas da comissão de que teria investido o dinheiro da formatura em um fundo e sofrido um golpe era mentira.

Também de acordo com a polícia, a empresa ÁS Formaturas confirmou que transferiu quase R$ 1 milhão para a conta bancária da estudante, que até então era a presidente da comissão de formatura.

“Foram feitas diversas movimentações bancárias. Ela conseguiu a transferência da empresa responsável pela formatura para a conta dela", afirmou a delegada Zuleika Gonzalez Araujo.

A polícia disse também que, de acordo com os documentos apresentados pela ÁS, não há responsabilidade jurídica por parte da empresa.

"O contrato autorizava eles a fazerem essas transferências para os membros da formatura, para qualquer um dos representantes da comissão", explicou a delegada.

O g1 levantou que Alicia recebeu de R$ 3.000 de Auxílio Emergencial do governo federal. A delegada disse que a família da estudante é humilde.

"Os nossos investigadores tiveram contato com a família. Trata-se de família humilde mesmo. Ela conseguiu ingressar no curso com muito esforço, a origem é humilde", disse.

"Inclusive, o valor pago por cada estudante para empresa na formatura era de R$ 12 mil. Os estudantes que comprovassem uma situação financeira econômica um pouco mais difícil pagariam R$ 6 mil. Ela foi agraciada com essa possibilidade", completou.

Alicia Dudy Müller Veiga é acusada de golpe na USP — Foto: Reprodução

Quem é a estudante

Natural do interior de São Paulo, Alicia Dudy Muller ingressou na faculdade de medicina em 2018. Ela está no sexto ano do curso.

Alicia nasceu em Itararé, mas reside em um prédio na Vila Mariana, na Zona Sul da capital. Na plataforma Currículo Lattes, que reúne dados sobre estudantes e pesquisadores, ela informou ter feito o ensino médio na Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, na região do Ipiranga.

Em entrevista para a Rádio USP em fevereiro de 2018, ela afirmou que tinha passado no curso de farmácia e até feito a matrícula, mas desistiu e decidiu fazer cursinho por mais um ano para tentar entrar em medicina.

Em um vídeo gravado há quatro anos para o cursinho em que estudou, Alicia comentou sobre o processo de aprovação na Faculdade de Medicina da USP. O registro foi publicado em 14 de maio de 2018.

"É difícil descrever como é ter um sonho realizado, porque são anos batalhando. Mas agora é uma sensação de compensação. É todo tempo que você gasta fazendo simulado, estudando pós aula, parece que aquilo não foi nada comparado àquele dia que você vê seu nome na lista."

Inquéritos

A jovem é alvo de dois inquéritos policiais. São eles:

  • O 16° DP investiga crime de apropriação indébita, relativo ao dinheiro da formatura;
  • A Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, apura os crimes de estelionato e lavagem de dinheiro contra uma lotérica, cometidos em 2022.

A polícia já acreditava que o dinheiro usado pela estudante em apostas não pagas – feitas no ano passado em uma lotérica da Zona Sul de São Paulo – poderia ter sido desviado da festa de formatura.

Os dados de transações bancárias foram analisados com a quebra do sigilo.

  • Em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na Lotofácil, todas pagas via PIX;
  • Depois disso, passou a fazer várias apostas em grandes valores;
  • No total, ela teria apostado R$ 461 mil;
  • Em julho de 2022, a estudante teria solicitado R$ 891,5 mil em apostas;
  • Após a operadora de caixa registrar R$ 193,8 mil em apostas, a gerente da lotérica questionou sobre o pagamento, e a suspeita disse que tinha realizado um agendamento da transferência;
  • A estudante fez uma movimentação muito inferior, de R$ 891,53, na tentativa de fazer com que os funcionários da lotérica pensassem que seria o valor total de R$ 891,5 mil;
  • Após breve discussão, a suspeita saiu da lotérica com cinco apostas de R$ 38,7 mil cada uma.

A denúncia do desvio milionário do fundo de formatura

Segundo o boletim de ocorrência sobre o caso do sumiço do dinheiro registrado por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas — que seria responsável pela organização da festa — a transferência de R$ 927 mil em três parcelas:

  • R$ 604 mil, para ser transferido para uma conta pessoal no seu nome;
  • R$ 145 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado;
  • R$ 171 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado.

Em nota, a ÁS negou ser a responsável pela organização da festa, como citado no boletim de ocorrência, e disse que "não se comprometeu com a realização ou produção de qualquer evento".

"A responsabilidade da ÁS no contrato limitava-se a arrecadar os valores dos formandos e transferir para a turma, além da realização da cobertura fotográfica", diz a nota.

Antes, Alicia afirmou ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, mas voltou atrás na versão.

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